quinta-feira, 3 de maio de 2012

Cão Morto

Acabo de ver um cão morto. Tal cena, tão corriqueira, me fez parar de andar por alguns segundos. E, enquanto faço esta postagem, sinto uma tristeza incomum. Não porquê era um cão... e essa tristeza não me paralisa, mas me faz pensar. Talvez seja um problema; mas não considero assim. Peço perdão se no texto um tom de melancolia for percebido. Estou mais inquieto, com perguntas, do que com respostas. 

Por que a morte nos impressiona tanto? Por mais que converse sobre isso, e me ache preparado para tal realidade, a morte de um cão me deixou pensativo. Sem desmerecer o cão, mas ali acabou. Uma batida de carro, um alimento envenenado, eu não sei... Sei que ele estava lá, estirado ao chão. Sem um pingo de vida, de respiração... Morto. Essa total inexistência na morte me incomoda. Horas atrás o cão, que provavelmente nem se entende como existente, estava correndo, latindo, revirando lixo... e agora, nada. Um pedaço de matéria bruta, sem memória.

Não quero ser pessimista. Só estou descrevendo uma experiência. Confrontar-se com a morte, ainda que de um ser vivo sem razão humano, deixe um ar triste. Faz a pergunta surgir. O quanto vale a vida? Quem dá valor a esse meio período em que estamos respirando? Somos dotados de razão, nos perguntamos e escrevamos, discutimos, sobre a morte. Mas a morte de um cão me fez silenciar. O fim é tão estranho para nós que vivemos. Uma espécie de eternidade que quer adentrar cada poro da nossa existência, enquanto que o finito me persegue, me marca. E logo, logo, poderei eu ser aquele que encontrará o fim...

A maioria foge de pensar em morte. Um pensamento ruim, de fato. Mas necessário. Sidarta Guatama se deparou com a velhice, a morte e despertou o sentindo de que a vida vai além dos belos palácios. Longe de mim ser tão sábio, jamais pretendo assim. Mas, entendo o quanto a morte é uma experiência misteriosa, e também impactante. Ela tira a razão que tão precariamente nos mantêm e resume tudo ao silêncio de assistir ou ter lágrimas nessa ida.

Não me estenderei mais. Fui além do que queria. A finalidade é somente pensar um pouco sobre morrer e morte. Tenho certeza que isso é só um início... Enquanto vivo, a morte acompanha junto. Para quê negar essa verdade? Numa música de Raul Seixas, Canto para a minha morte, ele escreve: "A morte, surda, caminha ao meu lado/E eu não sei em que esquina ela vai me beijar [...]" e arremata no refrão:
Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Ainda que tudo isso seja ruim de pensar, a fragilidade da nossa existência traz uma certa maneira de viver. Não serei obcecado pela morte. Nem a negarei... A realidade, seja de um cão ou do homem mais importante desse mundo, é que haverá um fim. Mas,como lidar com esse fim é outra história. A fragilidade e a finitude, de alguma maneira, valoriza cada respiração. Nas palavras de Conte-Sponville: "A vida é tão mais preciosa quanto é mais rara e mais frágil."

Por enquanto, é só...

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