quarta-feira, 4 de abril de 2012

Subidas e Descidas

Ontem, enquanto subia o morro que fica entre a avenida principal e a minha faculdade, comecei a notar o quanto as pessoas evitam o contato visual. Fogem ao olhar direto, principalmente de um desconhecido. Quando um "boa noite" é emitido, parece que alguns se assustam, literalmente. Mas,esse não é o assunto desse post e nem  foi isso que me chamou a atenção na noite de terça... O que realmente atraiu meus ouvidos foi um senhor que subia, com alguma dificuldade, o mesmo morro que eu. Escorado em muro chapiscado, ele disse: "Por que, para subir um morro é tão difícil e quando o descemos, é tão fácil que dá até para correr?" 

Ainda bem que decidir não usar fones de ouvido na noite de terça! Não sei se o senhor falou diretamente a mim ou pensou alto, mas a pergunta martelou minha cabeça por um tempo. A resposta óbvia surgiu: quando se sobe um plano inclinado, o peso se decompõe, e então é necessário vencer o peso tangencial, além do atrito (estão vendo, as aulas de físicas sempre serão úteis). Mas há respostas que, mesmo certas, não satisfazem a determinadas perguntas. E eu estava diante de uma dessa... E então, pensei um pouco mais além.

A experiência de vida é um subir e descer ladeiras, morros. Em determinados momentos, a caminhada se torna difícil. Olhamos a frente e o que vemos é uma enorme ladeira, onde o final da mesma foge da nossa visão. É desanimador. Quando os obstáculos estão a frente, basta saltá-los. Mas, neste caso não. A ladeira não é um obstáculo, é parte da caminhada. Fugir a ela pode ser uma alternativa, mas muitas vezes não é. E a dura caminhada (quase uma Via Crúcis) começa. 

Penso nessa ladeira como as experiência dolorosas, porém necessárias. É tão hipócrita, tão desnecessário e tão utópico uma vida sem dor. Nietzsche, em Além do Bem e do Mal, assevera
"Vocês querem, se possível - e não existe 'possível' mais insensato - suprimir o sofrimento; e nós? - Parece que gostaríamos de torná-lo ainda mais intenso e mais cruel que nunca! O bem estar, como você o entendem - não representa um objetivo a nossos olhos, mas um fim!"
As experiências de subida, de necessárias perdas e cortes, produzem crescimento. É a dor da semente que morre para virar trigo. Uma perca para um ganho. Não entendo de onde tiramos a ideia de que devemos evitar todo e qualquer tipo de sofrimento ou dor. Não exalto a dor (o que parece fazer Nietzsche). Afirmo que nem toda dor é tão maléfica quanto achamos. Talvez seja por isso que um Prozac, para muitos, seja mais eficaz do que haver-se com sua dor. Elimina dor, mas não faz da dor terreno para crescimento. Porque  crescimento implica processo, e processo implica perdas, mas também ganhos.

É muito comum ouvir-se suspiros desejando uma alegria instantânea, uma vida sem dor, sem perdas nem sofrimento. E então, quando as ladeiras nos afrontam, queremos logo um meio de sentar aos seus pés e, usando alguma "droga", subir sem esforço nenhum. O que essa droga faria seria alucinar, criar a miragem de se subir a ladeira, mas na realidade não acontecer nenhum movimento. Cria-se a dependência, a necessidade da ilusão. E, na realidade, a única maneira de subir a ladeira é erguer-se e enfrentá-la, ainda que com escoriações, tombos e desejo de desânimo ao longo da subida.

Mas, uma ladeira não é infinita. E por mais que seu fim fuja do nosso campo de visão, o fim ainda está lá. Esperar só planícies é utopia, mas esperar só ladeiras é pessimismo. Vivemos ora em planos, ora em ladeiras. Quando em planícies, aproveitemos a facilitada caminhada, e o ambiente tão favorável que nos parece ser. Entretanto, às ladeiras, guardemos o que há de força em nós. Enfrentá-las faz parte da caminhada e gozar do seu fim é privilégio daqueles que se consumiram na sua subida.

2 comentários:

  1. "Afirmo que nem toda dor é tão maléfica quanto achamos. Talvez seja por isso que um Prozac, para muitos, seja mais eficaz do que haver-se com sua dor. Elimina dor, mas não faz da dor terreno para crescimento. Porque crescimento implica PROCESSO, e processo implica perdas, mas também ganhos.". Além disto, processo remete a uma longa caminhada - árdua jornada - que requer de nós um tremendo esforço.

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  2. Se ganharmos na mega da virada, seria como uma carona de carro pra subir essa ladeira. E é comum ver estudantes pedindo carona pra ir a faculdade, principalmente os que fazem filosofia. Então, peça carona!

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