terça-feira, 3 de abril de 2012

Caçada

O vento uivava com uma intensidade única, e sua temperatura gélida machucava o rosto de quem tocava. Oireh não podia voltar, não com as mãos vazias... A caça era a honra. Se voltasse sem nada, o que seria de seu nome? De seu futuro? A noite, porém, parecia estar contra Oireh. Escuro, sem direção, tentava vislumbrar algo que pudesse atacar. Mas o quê? Nem o maior dos seres gostaria de sair num frio como aquele. Porém, ao longe viu um brilho quase familiar. Não sabia se aquilo fugia ou vinha em sua direção... Uma flecha foi colocada no arco, o braço esticado, tensionando a corda... Respira profundamente.

Os movimentos se tornam lentos, porém calculados. Cada passo é em direção aquela luz, aquele pequeno par de brilho. Ele corre... Oireh vai atrás, esquecendo dos estratagemas. Corre em instinto, a honra em jogo. Entra no meio da mata, o ar frio o cerca. O brilho par ora aparece, ora desaparece. Atirar sem objetivo é uma opção, porém a possibilidade de afugentar a presa é maior do que acerta-la. O brilho então para... A hora é essa... Mais tensão sob o arco. A Flecha voa... Um grito imenso se ouve... Oireh corre... Pára, perplexo ao ver o que havia se estirado ao chão.

Na verdade, era ele mesmo.
Uma caça. Seguir em direção a um alvo, um objetivo a alcançar. Mas aonde? Caçador de mim, clássica música de Milton Nascimento, tão cantada em formaturas e outras ocasiões, não fala de chegada, mas de processo. Um processo de busca, onde o alvo é eu. Uma caça inexorável, onde o escuro e a solidão se encontram a quem busca.


Indo a extremos, nós vemos e vemos a outros. Porém, no outro me é mais cômodo ver o que me incômodo, aquilo que me machuca e incomoda quando vejo... Justamente o que está, o que de certa forma o que tenho que capturar. E tal busca, que se desdobra no outro e vem a mim, é uma aventura onde caçador e caça se confundem, sem se mirarem. E onde está? Onde encontro o alvo? Mais longe do que se pensa. Não é no cômodo, naquilo que me cabe bem e satisfaz que acho. Acho no que me inquieta, naquilo que persigo, ainda que na hora do arremete, as mãos tremam ao puxar a flecha.


E qual medo envolve o caçador? Vários são esses, mais o principal é fugir. Correr da luta, diria Nascimento. Correr do momento crucial onde fixo naquilo que rodeio, busca e quero... Mas, perplexo noto que nego. Como diz Machado de Assis em um dos seus grande contos:   "(...)não havia mais que aceitar o coração humano como um poço de mistérios." Um lugar que amedronta, que encarar é um processo tão complexo e dialético, que cumpre ao que caça senti-lo. É necessário firmar as pernas e não fugir da luta que há de travar-se.


Ainda não se toca, mas tal processo é doloroso. Abrir o peito a força, buscando fugir das armadilhas que estão na densa floresta do eu. Eu que se esconde, se envolve, ilude, brinca e chora. Uma missão para a vida inteira, para uma realização ao final. Mas, num processo... Caminhar até chegar onde se sente, onde se nota que se é, mesmo envolto pelas várias máscaras que usa ao longo do caminho.


Caça e caçador se confundem... Um é presa, mas é predador. Nesse processo tão dialético, vai-se vida... Encontrar-se em mim, e projetar-se no mundo e no outro.

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