quarta-feira, 18 de abril de 2012

Cara Estranho

Los Hermanos, em minha opinião, é uma banda singela. Singela porquê nas composições transmite mais mensagem do que som em si. Claro que o som deles é bom; mas as letras... Ah! As letras merecem um destaque. Do romântico ao crítico, eles conseguem fazer belas composições, e tratam de assuntos tão variados que comentar músicas do grupo é tarefa Hercúlea. Prazerosa, não posso deixar de afirmar. São quatro álbuns de estúdio... Não consigo indicar um preferido, pois cada um dos álbuns tem músicas preferidas. Prefiro assim... Não perco a unidade e a evolução do conjunto em suas composições. 

"Cara Estranho" é a sétima música do álbum Ventura. Começamos já com uma inovação: música sem refrão. Coisa incomum para a época e sinal de gravadora desesperada. Não nesse caso. A música tornou-se sucesso, mesmo sem o dito refrão. E nem é necessário... A música já diz muito, e não quero esgotar todas as nuances que se pode alcançar nela. Algumas ponderações se seguem.

O início da música já é sugestivo. "Olha só, que cara estranho que chegou/Parece não achar lugar/No corpo em que Deus lhe encarnou." Um querido amigo me disse certa vez que essa música é muito adolescência. Retruquei e disse que é, na verdade, muito do homem em geral. Quem nunca se sentiu deslocado, como se um erro o tivesse colocado em um lugar sem rumo? A estranheza surge daí... Não do outro, mas de dentro. De não se reconhecer, se aceitar nas diferenças, e principalmente, nos adjetivos (sejam eles bons ou ruins). O problema do "cara" vai além de força fora do controle ou tropeções. Ele não divide o coração, ainda que leve ele a frente.

O ambíguo sentimento de querer o outro, mas temer os resultados finais. O coração lá está, a mostra para todos. Mas, só dele. As relações humanas, em todos aspectos, são riscos. Incluem nossas expectativas, as alheias, e as peculiaridade de ambos. E nisso, o perigo de se arranhar é grande, imenso. Só quem tem coragem suficiente de dividir um coração exposto pode relacionar-se verdadeiramente com alguém. Ou se guarda ou se divide. Porém creio que a matemática das relações não é tão inflexível. Guardar é tão útil como dividir. Só que um extremo ou outro é mais arriscado ainda do que um equilíbrio saudável. Como uma frase que guardo como guia: "Dependendo de mim e indo ao outro..."

Talhar imagens é um ofício genuinamente humano. E não me refiro aos credo, como no catolicismo. Como na letra: "Talhando feito um artesão/A imagem de um rapaz de bem." Construímos, ao longo desta caminhada chamada vida diversas personas, máscaras que são necessárias, mas por tempo determinado. Unir-se a uma como absoluta é perder o eu que as usa. E essa cruz vai sempre sendo levada um pouco mais além, e então perde-se o objetivo. O caminho que devo escolher seguir, e então "Não sabe nem pra onde ir/Se alguém não aponta a direção." Além de pedir atenção, devido a insegurança. E esse sujeito "periga nunca se encontrar." O se encontrar é resultado de andar, a busca de ser o que realmente se é. Dura caminhada, mas necessária. 

Nessa caminhada, os pontos negativos serão encontradas. E, por "deixar o ódio se esconder",  o jogo vai se resumindo em apresentar seu quinhão ruim. Justo aquilo que mais esconde. Jung chamaria isso de Sombra. E não na acepção negativa que temos. Ela é justamente o que negamos, aquilo que não sou. E é sumamente importante para a constituição do ser. Mas, além de negar e, inevitavelmente, mostrar tal aspecto do seu ser, ainda tenta ser o que não é. 

Ser o cara da TV, que vence a lutar sem suar, que ganha quase sem querer. Utopia tão comum, de ver nos bem sucedidos em parâmetros curtos como sucesso empresarial ou acadêmico o local a se alcançar. Quanta ingenuidade! Seria tão simples se assim fosse. Buscar a própria individualidade nos aspectos alheios é atrofiar a peculiaridade própria. Os grandes são exemplo inspiradores, não objetivo finais. Podemos ir além o aquém deles... Mas, nunca nos esqueçamos, precisamos ir. Me inspiro em grandes nomes, mas luto para não querer se-los. Sou o que sou, e devo desenvolver o que há de mais peculiar em mim. 

E no final? Diante de tal "Competição", que envolve a luta de mim comigo mesmo, por medo e insegurança, por não ter com clareza o que sou (ou pelo menos, buscar ser o que é) retenho o que tenho e não recebo o que poderia ter. Desapego é necessário. Curtir as perdas em leves dosagem é coisa que todo individuo deveria fazer. A vida não foi, não é, nem será perfeita. O estranho dos humanos é não observar dentro e fora de si, e ver que as nossas concepções, nossos "eu acho" são tão frágeis que deveríamos saber que o normal é ser... Independente de quem sejamos.

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